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sábado, 15 de agosto de 2015

True Detective: fraquezas e diamantes de uma série que fez o meu coração sofrer





(SPOILER ALERT)

Não é preciso bater mais no ceguinho. Já estou chateada que chegue com aquele final. Atenção - não é um mau final, antes pelo contrário. Mas é que eu, tonta, entusiasmada pela redenção que é oferecida às duas personagens - interpretadas por Matthew McConaughey e Woody Harrelson -, na primeira temporada da série True Detective, guardei até ao fim a esperança numa Salvação, mesmo assim, com letra grande, pelo menos para um dos homens fortes da segunda temporada.
Confesso que nem tanto para Frank Semyon (Vince Vaughan), que era um filho da mãe encartado apesar da desgraçada infância, típico o dramalhão da mãe que abandona do lar e o pai alcoólico que dá pancada -, mas, pelo menos, que esta chegasse para Ray Velcoro (Colin Farell). O homem já tinha sofrido para caraças, mais do que suficiente para que o argumentista, o todo o poderoso Nic Pizzolatto, o achasse já resgatado dos seus pecados, ou, pelo menos, lhe entregasse umas tréguas, sabendo nós que aquela consciência teria de arcar com a Culpa até ao final dos seus dias, mas também muitos de nós o fazemos com as nossas mini-culpas e não é por isso que não vamos desembaraçando o melhor possível as nossas vidas. Ora aquele banho de balas no último episódio deu cabo de mim, porque sim, gosto de happy ends tanto quanto gosto de séries escuras (o que significa basicamente que estou sempre a sofrer) e guardava a expectativa que ele e a Detective Ani Bezzerides (Rachel McAdams) ficassem juntos e caminhassem em direcção ao por do sol para ter bebés e coisa e tal.



Frustrações pessoais à parte, senhores críticos, podem parar de bater na segunda temporada de True Detective um bocadinho? Não, esta temporada não é como a primeira, um diamante perfeito na delapidação daquelas duas personagens, que vagueavam em infinitas estradas numa terra encharcada de calor, copiosa de humidade que se unia aos corpos, no Estado sombrio do Louisiana, e cuja narrativa, centrada nelas, permitiu - principalmente a Matthew McConaughey -, construir figuras complexas e apaixonantes.



Não, esta não é a primeira temporada. Perdeu-se a economia narrativa, a simplicidade da trama e Nic Pizzolato decidiu invadir o campo com quatro personagens fortes. Parece-me, mas isso é a mim, é que está aí o tiro no pé e a fraqueza desta segunda incursão. Oito episódios de uma hora não dão para meter em campo uma investigação rocambolesca, mais uma detective, Bezzerides, de corpo enxuto, com um trauma de infância e um problema com homens, com quem dorme e deita-fora, incapaz de se comprometer, marcada pela morte da mãe quando era jovem, pelo pai guru a tempo inteiro e que se deu mais aos outros do que às filhas, e ainda a lidar com uma irmã ex-toxicodependente e antiga prostituta; a ela junta-se Velcoro, detective com uma penumbra nos olhos, alcoólico, que sem saber só quer morrer, casamento já desfeito e à beira de perder o filho (que nem sabe que é seu), enquanto se vê forçado a baixar as calças (não em sentido literal, entenda-se) para um gangster a quem, no passado, entregou a sua alma em troca do nome do homem que terá violado a mulher; depois, temos o mesmo gangster, Frank Semyon (Vince Vaughn), perdido em discursos filosóficos, cruel e ambicioso, mas um coração mole quando se trata da mulher e com um muito próprio sentido de ética; como se não chegasse, ainda foi atirado para a cena um polícia que combateu no Afeganistão, Paul Woodrugh (Taylor Kitsch), a viver uma homossexualidade não assumida, nem para com ele próprio, e que toma viagra para ter sexo com a ex-namorada, a braços com um processo de assédio sexual e com uma mãe dominadora. Os quatro - com todos estes ângulos obtusos para explorar - querem tomar a cena na segunda temporada de True Detective. Ora, só se podia perder logo um deles - a personagem de Taylor vai tendo direitos a alguns momentos que depois ficam esquecidos e fica  arrumada no saco preto em que o corpo é embalado, quando é despachada no sétimo episódio pelo ex-amante, e a sensação é que Paul ficou a meio de contar a sua história.

As outras três personagens lutam para ganhar substância. Frank vai-o fazendo no meio de diálogos meio existencialistas - como o da mancha no tecto do quarto que quase lembra passagens da Náusea de Jean-Paul Satre – uma história de amor com a mulher e assassinatos a sangue frio com laivos de sadismo, o que parecem demasiadas contradições, é verdade, mas Vince leva o barco a bom porto e eu pelo menos não estranhei a bizarria da sua forma de falar.

Porém, há o ‘mais’ desta série e está entregue a Rachel McAdams e Colin Firth, Bezzerides e Velcore, em estado latente nos primeiros episódios, mas que depois se apoderam de tudo e conseguem-no porque são dois atores mesmo, mesmo dos bons. E nos últimos episódios eis que explodem, explodem em raiva, em medo, em frustração, em violência e em desespero, dois seres cujas dores se tocam quando mais ninguém os consegue alcançar, que conseguem encontrar palavras nos intervalos de silêncio para dizer o que não conseguem. Todas as cenas no motel são intensas até à carne e ao osso, nos silêncios, nos cigarros, nos lençóis sujos, nos dedos trémulos. E aí surge a esperança. Criado o laço, surge a esperança. Pode ser que ainda consigam. Pode ser que acha um qualquer final feliz. E quando está quase, quase lá, aquela fuga para um México mítico de noites quentes onde a reinvenção é possível… chega o fim.

Apenas as mulheres se salvam e a elas lhes cabe redimir os mortos. Os seus homens mortos.

Fiquei lixada, mas não dei por perdido nenhum minuto que dediquei a ver a série.Afinal, entrei de olhos abertos naquela noite escuro e sai com a lágrima ao canto do olho. Se fazia tudo de novo? Claro que sim. Afinal, o meu coração já está habituado a sofrer.

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