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terça-feira, 7 de abril de 2015

Lost in Translation: não interessa nada o que Bill Murray diz a Scarlett Johansson

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Um dos motivos porque ‘Lost in Translation’ (2003), de Sofia Coppola é um dos filmes da minha vida é porque é sobre a solidão. Ou não nos sentirmos amados, o que é basicamente a mesma coisa. Outra, é porque não nos mostra tudo. Não tem de mostrar.

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A cortina não se abre inteiramente sobre as duas personagens interpretadas por Scarlett Johansson e Bill Murray, o mais imprevisto e inspirado dos casais que se conhece numa caótica, só, claustrofóbica cidade de Tóquio. Ela é Charlotte, recém-casada com um fotógrafo e posta de parte pelo marido, que tem como prioridade a profissão, e que´, sem saber muito bem o que quer fazer da vida, se vê sozinha num quarto de hotel impessoal na grande cidade (mas poderia ser em qualquer cidade, em qualquer casa, o hotel é apenas o símbolo de uma solidão profunda, da incapacidade de comunicar, de criar ponte, e Tóquio o lugar onde a comunicação é impossível, porque mesmo na tradução, algo se perde sempre). Ele é Bob Harris, uma estrela de cinema de meia-idade a entrar em decadência, de olhos profundamente tristes e que faz dos bares a sua segunda casa, vendendo-se por dois milhões de dólares a uma marca de uísque. Duas solidões que se cruzam e constroem uma relação inesperada, duas pessoas que, noutro contexto, o dito ‘normal’, passariam sem se olhar uma única vez. Mas na necessidade de afugentar a solidão, num país onde a língua é uma barreira incontornável e nos rostos nada há de reconhecível, eles criam um laço, que cresce sem nada ser dito sobre isso e o facto de não nos ser revelado tudo condensa-se no final e aí está criado um dos mitos da história do cinema: é que Bill Murray vai ao encontro de Scarlett, no meio de uma rua de Tóquio, chama-a, abraça-a e… diz-lhe algo ao ouvido. Pormenor: nós não conseguimos perceber o que é. Depois eles afastam-se e cada um segue o seu caminho. Muitos não ficaram satisfeitos, quiseram compreender, fechar a narrativa, eles ficam juntos ou não, com irritação à mistura, quem não quer o happy end, ele volta no fim, toma-a nos braços e ficam felizes para sempre, mas desta vez não, apenas aquelas palavras só deles, talvez porque se ‘traduzidas’ algo se perdesse no caminho. O que não faltam no youtube são muitos resistentes ao desconhecido, que fazem tentativas de conseguir recuperar as palavras sussurradas ao ouvido, mas isso não interessa nada. Seja o que for, é bom. Vemos nos dois rostos que se iluminam. Vemos no beijo que encontra espaço a seguir para existir. Se há um futuro para eles os dois juntos ou não, percebemos que eles já não são os mesmos, foram tocados um pelo outro e nos seus rostos compreendemos que essa foi uma experiência que mudou o mundo. Gosto de coisas que não são reveladas de forma óbvia. De filmes que amam tanto as suas personagens que nos metem a nós, espectadores, na ordem, que não nos mostram o que não é suposto descobrir. O final de cada história de amor pertence apenas, nos filmes e na vida real, à nossa imaginação. O que seria de nós nas nossas vidas se soubéssemos o fim das nossas histórias de amor?lost1.jpg

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